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SOBRE O CD

O pop e o rock dos PoETs: entre Manuel Bandeira e os Beatles

Por Lau Siqueira

 

A tradição musical do Rio Grande do Sul tem fornecido nomes importantes para a história da Música Brasileira que é, em suma, uma congregação de diversidades. Poesia e melodia para as possibilidades da cibercultura e do que vinga a partir dela. Isso tudo, num pampa mio que não é nada mais nada menos que a terra de Elis Regina, Lupicínio Rodrigues, Nelson Coelho de Castro, Edu da Gaita, Bixo da Seda, Jaime Caetano Braun, Nei Lisboa e, agora, também dos PoETs. Um grupo que nasce de um berço esplêndido: o acaso e suas provocações e que surpreende por, talvez, não estar preocupado em surpreender. Um grupo que agrada pela música e pela palavra, muito certamente por não estar preocupado em agradar. Poesia é palavra que vem do grego. Tem a ver com fazer. O poeta é o que faz. O poeta é o que soma virtude e atitude e faz linguagem. Nos PoETs, a origem de tudo é a poesia. (Permitam-me, não se trata de um grupo, mas, de uma tribo.)

 

Os caras já surpreendem, pela formação. São três poetas da melhor qualidade que no palco e no CD, entretanto, não reproduzem praticamente nada das suas obras em livro. (Ou, quem sabe, absolutamente tudo.) Ronald Augusto, Ricardo Silvestrin e Alexandre Brito, acompanhados por músicos do primeiro time, ousaram desafiar todas as teses e retorcer o eterno tumulto que há quando se tenta estabelecer fronteiras entre poesia e letra de música. Não vou entrar nesta seara, mas, fica a necessária provocação para um debate futuro. Eu já conhecia e admirava o trabalho dos três poetas. Conhecer o CD e poder curti-lo na diversidade do meu gosto pessoal, me permite, por exemplo, ter tido o prazer imenso de ouvir várias vezes o disco, curtindo muito sempre, mas terminar de escrever este texto ouvindo o piano de Arthur Moreira Lima interpretando Piazzolla.

 

Na verdade, confesso que me surpreendi muito positivamente com a capacidade dos caras em unir qualidade e swing pop em um CD que é pop, mas também é rock, também é MPG (Música Popular Gaúcha)... Como se tudo fosse fruto de uma Milonga tocada por Hendrix. Poesia é isso? Penso que é (também). Afinal, poesia é música. (E, como diria Décio Pignatari, algum gênero das artes plásticas.) Certamente que pautados antropológica e antropofagicamente pelos Beatles e por Manuel Bandeira, os PoETs passam a figurar no cenário musical brasileiro como expressão do que pode ser ouvido em Alegrete-RS ou Santarém-PA, com o mesmo nível de sedução do público e de instigação positiva do ouvido mais apurado, mais crítico. Há uma enorme complexidade em um trabalho, aparentemente, simples. Já participei da produção de grandes eventos, com artistas de calibre. Sempre me interessou muito mais as reações do público, nestes casos. Em relação aos PoETs, vejo que prepondera a capacidade de comunicação das letras e a beleza das melodias.

 

Considerando que se trata de três poetas com uma obra literária, individualmente, bastante singular e, sobretudo, interessante sob todos os aspectos. No entanto, musicalmente os caras alcançam tamanho nível de sedução estética que chamam a atenção no primeiro acorde, dos ouvidos mais sensíveis aos mais desatentos.

Um pouco mais sobre eles? Bem, Ronald Augusto, certamente figura entre os poetas mais complexos e interessantes da nova safra brasileira. Escritor, compositor e crítico publicou, entre outros, o excelente “No Assoalho Duro”, pela Éblis. Ricardo Silvestrin também é um excelente poeta. É professor de literatura, editor do selo AMEOP.

 

Publicou “O Menos Vendido”, pela Nankin (que torço para ser o mais lido). Alexandre Brito é poeta, editor da AMEOP, músico e produtor cultural. Um mano que duela incessantemente com as palavras e seus ritmos. Os três formam os PoETs. Certamente que todos têm currículos bem, mais intensos e imensos, mas cabe aqui apenas um breve perfil desses três artistas que bailam em palavras e melodias. Pelo jeito ainda sobrou tempo aos três para uma articulação de primeiro time, criando esta banda de poetas que o Brasil precisa conhecer para, de prima (como se diz), ouvir sem parar e gostar muito, sabendo que inteligência, em qualquer área, é o melhor legado do artista.

 

O CD “Os PoETs” nos traz de volta uma reflexão acerca do que é, realmente, novo na Música Brasileira Contemporânea. Nos tempos de Mariana Aydar, Tulipa Ruiz, Gilberto Gil, Zeca Baleiro, Chico Cesar e outras feras, cabe um tanto assim de ufologia. Parece que estamos longe dos busca-pés vanguardistas que estabeleciam a necessária tensão entre a arte e a atenção de uma sociedade desigual, escandalizada, não exatamente pela vanguarda, mas pela diferença. Pelo questionamento ao gosto estabelecido. Margarida Patriota escreveu com propriedade em “Modernidade e Vanguarda nas Artes” (Oficina Editorial), “as vanguardas se emasculam numa sociedade que as acata”. Os PoETs, surgem também de uma releitura disso tudo, mas, sobretudo, de uma contemporaneidade que se descobre a cada passo, a cada pássaro na garganta. Nos tempos de agora o exato é catar germe no trigal, onde tudo é vida e prolifera. Afinal, até do mangue, sai arte. Caso contrário, o Brasil e o mundo não teriam conhecido Chico Science. Despreocupados com a rotulação da música que fazem, os PoETs iniciam uma trajetória na música brasileira que, sem permissão de Nostradamus, podemos vislumbrar enquanto promissora do ponto de vista do mercado musical brasileiro e transformadora do ponto de vista da qualidade musical. Há uma empatia imediata com a audição do que esses meninos estão a compor lá pelas bandas de Porto Alegre. “Música bacana e letra legal”. É a fórmula para a sedução de um público que, certamente, está crescendo e se tornando fiel a cada instante, seja pelos canais cibernéticos, seja pelo tom frenético dos shows, seja pela credibilidade artística de três poetas da melhor safra gaúcha, numa varredura de conceitos que nos faz pensar como DJ Dolores: “que som é esse”?

 

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